Porque escrever fez parte da vida dele.
E ler o que ele escreveu faz parte da nossa.
Ele viajou e morou no mundo - Sicília, Kansas, Roma, Tanger, Ischia, Haiti, Espanha, Grécia, Londres, Califórnia, Suíça, Hong Kong - porque achava devastadora a ideia de permanecer. Nasceu e viveu a infância e adolescência no interior do interior mais pobre e intolerante dos Estados Unidos, em New Orleans, Alabama, Connecticut, mas amava New York e o Brooklyn incondicionalmente.
Como jornalista e escritor se dizia confiável, mas na vida privada, @s mais íntimos diziam que tinha tendência ao exagero. El@s, @s amig@s, não poderiam ser estúpidos nem desatenciosos, como ele não o era. Leitura e sexo, cinema, trabalho, carros velozes e dirigir sem destino eram os passatempos prediletos dele. Fracasso? "O fracasso é o condimento que dá sabor ao sucesso”, dizia.
Conseguiria sobreviver à pobreza ou a riqueza, mas nunca ao meio-termo: "o som do cortador de grama e do irrigador no jardim de uma casa térrea com dois carros na garagem em Scarsdale ou Shaker Heights" era a tradução da mediocridade. Dinheiro não tinha a mínima importância "desde que tenhamos muito". Ele nunca disse que não era esnobe, só que não tinha medo da pobreza. “A palavra mais auspiciosa e perigosa em qualquer idioma? Amor.” Gostaria de ser invisível quando bem desejasse. “Possibilidades? Poder, riqueza e diversão erótica constante.” A maior virtude dele: gratidão.
Se não fosse jornalista e escritor, seria advogado, embora soubesse que a voz, aguda e afetada não o fosse ajudar. Se escolhesse a carreira de hostess ou produtor de eventos, teria também sucesso, já que em 1966, realizou o evento que ficou conhecido como a festa do século, a “Black and White Ball” no New York City Plaza Hotel.
Não tinha vícios, pois vício era uma palavra que não existia no vocabulário dele, embora fosse um usuário assumido de álcool e barbitúricos, que comprometeram o funcionamento do fígado e o levaram a morte em 1984. Deve ter achado uma piada divina de péssimo gosto: morreu na Califórnia, estado americano que mais desprezava e que era o mote de uma das várias frases conhecidas: “É um fato científico que, se você fica na Califórnia , você perde um ponto de QI por ano." No entanto, como ele mesmo evidenciou: “A vida é uma peça de teatro moderadamente boa, com um terceiro ato muito mal escrito.”
Mais que um simples contemporâneo, ele circulou nos meios mais restritos, conviveu com celebridades seculares e essenciais - e também com as passageiras e desimportantes - a quem retratou e ajudou a imortalizar. Detalhou de forma ímpar figuras díspares, únicas, tão diferentes ou iguais quanto qualquer mero mortal: Marilyn Monroe, Mae West, Marlon Brando, Ezra Pound, Jean Cocteau, André Gide, Cecil Beaton, Humphrey Bogart, os Keneddy e também Graziella, a empregada siciliana; o Sr. Fioli, o vizinho italiano; Lola, o corvo de estimação, o "hougan" haitiano, entre tantos outr@s.
Observou claramente as mudanças pelas quais a sociedade passava e traduziu, seja através das memórias da vida no Brooklyn, do olhar atento sobre a insensibilidade humana e do incômodo das frases que sentenciava, a vida e os artifícios de quem vive. E fez isso de maneira tão espetacular que o mundo é incapaz de esquecê-lo.
Filho único, de pais divorciados, adotou o sobrenome do padrasto, um cubano que entendeu o desejo do jovem e o matriculou nas melhores escolas de Nova York. No entanto, o rapaz repetiu a maioria das matérias, razão pela qual, alguns professores disseram que tinha alguma forma de retardamento mental. Quando a mãe decidiu levá-lo ao psiquiatra, o especialista afirmou categoricamente que o adolescente era, na verdade, um gênio.
Leitor ávido e sem preconceito, conquistou a fama e a glória com um texto impecável. Dono de uma alma indolente e indômita, de um talento nato onde não cabia a falsa modéstia; antropólogo por natureza, etnólogo por opção, profissional esforçado, controverso, escandaloso, polêmico, criativo, afiado, sensível, corajoso, esnobe, definitivo, inimitável: Truman Capote.