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Viviane Rodrigues

A FALTA QUE A FOTOGRAFIA ANALÓGICA FAZ A DIGITAL: SEM SAUDOSISMOS


Uma reflexão sobre os males da ausência de limitação.

Imagine que você possui uma película, apenas um filme de 24 poses na sua câmera fotográfica. A sua frente se desenrola uma cena inesquecível, memorável, linda: um abraço, uma vitória, um sorriso, uma cena hilária-dramática-emocionante, única. Pergunto: você expõe toda a película rapidamente na ânsia de captar, de guardar, de reter e traduzir aquele momento? Você faz as fotos de uma vez só, febril, o quanto antes? Ou dosa, homeopática (o) e divide-se entre arte, técnica e sorte. Busca o melhor ângulo, composição, luz, contando também com a boa ventura para que ele se prolongue ou para que você escolha o momento certo? Em fotografia: múltiplas respostas para essas questões (algumas retóricas)...

Você pode até ter pensado que eu faria esse quase-ensaio sobre o “momento exato”, que tanto Cartier Bresson, considerado por muitos o pai do Fotojornalismo, perseguiu e registrou.- mas não.

Vou escrever sobre os males advindos da falta que um filme de 24 poses faz ... Da falta que faz sentir falta. Da impressão que ando experimentando que os fotógrafos estão muito menos exigentes. Porque você não precisa mais pensar que possui apenas um filme de 24 poses. Não há, praticamente, mais limitação no número de imagens a fazer de um momento. “ _E isso é bom, certo?” “_Sim, claro.” E também não.

Películas? 24 poses? Negativo? Coisa do passado para a maioria da população, mas que ainda é muito presente na vida de muitos fotógrafos, como na minha, por exemplo. Com a fotografia digital não são 24 possibilidades ou 36. São 300, 500, 1000, 5000 - múltiplos de mil - possíveis imagens, guardadas em um pequeno quadrado de tecnologia e plástico: um cartão de memória. Além disso, há o Adobe Photoshop ou Lightingroom e muitos outros programas de edição de imagem. Tecnologia a serviço do capital, do trabalho, e, também da Arte.

No entanto, ao longo de todos os anos que acompanho a Fotografia, e, todo o avanço que a digitalização trouxe, vi também que se agregou a tecnologia, falta de empenho em captar a melhor combinação de técnica, prática e sorte. Aliou-se digitalização a certo descuido, a ausência de estudo e de tempo e que se manifesta no “_Deixa para depois...Na edição a gente arruma... Vamos fazer o que der para fazer hoje...” Ou seja, de qualquer jeito.

É bom dizer que não possuo saudosismo no meu sangue. Absolutamente. Quem me conhece bem o sabe. Acho que a fotografia digital poupou tempo e dinheiro e é o suporte perfeito para um número imenso de trabalhos artísticos, no entanto, as facilidades não deveriam poupar cuidados, estudo e dedicação do profissional na busca do “momento exato”, a partir da singularização do olhar, da originalidade da captação e do aperfeiçoamento da sensibilidade e da técnica.

Os softwares são essenciais para, igualmente poupar dinheiro e fazer Arte, porém, o resultado do que é produzido por ele, em essência, sem polêmica barata, não é Fotografia (e aqui não há nenhum ranço conservador, Frankfurtiano, pejorativo ou provocativo... apenas não o é, e nem precisa ser. Ela é suporte (e isso é tema para outro escrito). E é claro que aqui não falo das “manipulações” de imagem mínimas e obrigatórias, mesmo porque, imagem digital pressupõe disso para existir.

Será que a tecnologia - como o controle remoto na TV, os vidros elétricos do carro, a internet, - alicia e, poupando tempo, a mercadoria mais cara da contemporaneidade, fez muitos dependentes físicos e adicionou ingredientes irresistíveis na bombástica receita de uma sociedade que tende a acomodação “natural”, a falta de senso estético, a absoluta incompetência em nome do mais barato e conveniente?

Estaria a tecnologia também, já que qualquer um acha que é fotógrafo, a “desprofissionalizar” o mercado? Estandartizando a Arte Fotográfica? Estariam os fotógrafos se deixando levar pelas facilidades da digitalização, ficando preguiçosos e profissionalizando o “deixa para depois”? Na minha opinião, sim. Mesmo porque, cá para nós, de um ensaio profissional, com quinhentas, mil, duas mil imagens, dez ,pelo menos, sairão perfeitas para seguir, (claro!) para editor de imagem, sendo o fotógrafo “um mamífero, bípede, com o telencefálo altamente desenvolvido e com o polegar opositor” - como tão bem esclareceu o filme “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado - ou não.

Em Fotografia se morre sem ter visto, apreendido ou aprendido tudo, então, vamos dar espaço para o estudo e para o desafio de sermos criteriosos e dedicados e buscar o máximo, com o mínimo... Vamos reabilitar o virtual filme de 24 ou 36 poses e tentar sempre o melhor.

Que tal?

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