Na iminência do lançamento de Blade Runner II (2017), uma reflexão sobre o teste que detectava replicantes, no clássico produzido em 1982 e que mudou a face da ficção científica no cinema.
É um nome científico como tantos: teste de Guthrie; emissão otoacústica evocada; teste do reflexo de Bruckner - ou seja, na ordem, testes do pezinho , da orelhinha e do olhinho. No entanto, no caso específico, é uma nominação fictícia. Foi inventado. Voight-Kampff é o nome do teste psicológico mencionado no livro Do Androids Dream of Electric Sheep?, do prolífico escritor americano Philip K. Dick*. No cinema a história foi contada por Ridley Scott (direção de fotografia, Jordan Cronenweth ; direção de arte, David L. Snyder ; design de produção, Lawrence G. Paull ; edição, Marsha Nakashima e Terry Rawlings) e protagonizado por Harrison Ford e Sean Young.
No tal teste, o interrogador faz uma série de perguntas de fundo emocional ao entrevista@. Ao responder, a pupila, por exemplo, se dilata involuntariamente enunciando sensações e mais - no caso, imaturidade emocional. Ao cruzar o teor da resposta com a dança das pupilas e outras reações do corpo, o resultado indica se você é um humano ou um replicante.
(Em tempo, replicantes são androides projetados por uma tal corporação. Basicamente mais ágeis e mais fortes que human@s, variam no grau de inteligência.)
O teste Voight-Kampff é baseado no teste de Turing, sobrenome do Alan, um mágico britânico dos números (matemático, filósofo, praticante do esporte da criptoanálise; cientista da computação e lógico), que morreu vítima da completa intolerância da sociedade britânica que, naquele momento, dizia que a homossexualidade era crime.
O homem que escreveu em 1950 “I propose to consider the question, can machines think? This should begin with definitions of the meaning of the terms "machine" and "think.”** em um texto seminal das ciências da computação, foi processado pelo crime de práticas homossexuais no Reino Unido, em 1952. Dois anos depois: se suicidou.
O teste de Turing identifica quão bem um computador pode exibir-se inteligente, imitar uma resposta humana, e parte da perspectiva que a máquina não pode pensar... Mimetizar, no entanto…
E precisaria de mais?
Turing e também filósof@s achavam que basicamente androides e humanos são iguais, sem diferenças muito impactantes, já que nosso cérebro seria um computador que processa escolhas.
(Sartre que discordava da percepção de Alan sobre humanos/androides, se alinhava ao matemático no reconhecimento da importância dada aos sentimentos, às emoções, a empatia que deveria nos traduzir em únicos, em humanos***).
Pois então... O teste Voight-Kampff, é usado para detectar replicantes. No filme, uma das perguntas do entrevistador era: “_Você está em um deserto. O cágado está deitado de costas, de barriga para o ar, esperneando, tentando virar-se. Mas não consegue. Só com a sua ajuda.”
Então é a empatia com a dor alheia que nos faz humanos. Penso...
Cágados são diferentes de pobres? De índios? De LGBTs?
Quantas crianças-pessoas, na atualidade, escolheriam:
a) Deixar o cágado lá, virado;
b) Chutar o cágado;
c) Sacanear o cágado;
d) Ajudar o cágado;
Para as respostas a, b e c > replicantes (?).
Ou serão estes os humanos do século XXI e nós é que somos os replicantes?
Aqui: a cena >
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* Além de Blade Runner, outros filmes foram baseados na obra do escritor. Exemplos? Total Recall (O Vingador do Futuro, Paul Verhoeven, 1990); Impostor (O Impostor, de Gary Fleder, 2002); Minority Report (Minority Report: A Nova Lei, de Steven Spielberg, 2002) e A Scanner Darkly (O Homem Duplo, de Richard Linklater, 2006).
**"Eu proponho considerar a questão "As máquinas podem pensar”? Isto deve começar com as definições dos termos “máquina" e “pensar”.
*** Texto bem legal de Judith Barad sobre Sartre e Blade Runner.