É de comer, profe?!"
"Não", eu respondia, contava a história e aproveitava para rever matéria da aula.
Em 2005, a fotografia digital ia recompondo o cenário da fotografia mundial. Havia a melhora das condições de captação e o aprimoramento de softwares de edição de imagens. Eu também já havia entendido, como fotógrafa profissional, que tais mudanças alterariam profundamente o fazer fotográfico, e nem sempre de uma maneira positiva (nem sempre, negativa).
O fato é que as práticas publicitárias ( e jornalísticas) abraçaram, sem muita reflexão e preparo, este outro realizar(-se) da imagem rapidamente: era muito mais prático e barato
Então, naquele momento eu já tinha compreendido também que aquele ( outro dia falamos dos bons trabalhos da época) não era o tipo de imagem que eu queria produzir: criativamente ou no jogo do verossímil. Me incomodou o acúmulo de representações estéticas ainda mais uníssonas dos corpos femininos e masculinos; o "aprimoramento"" da "pele de plástico" e da "cara de boneca"; as edições grosseiras; a manipulação (e a má edição) no fotojornalismo; a falta de zelo na captação (deixando retrabalho enorme para a pós-produção); me perturbou ver aquele trabalho ruim fazer escola, se massificar, amplificar e se transformar no padrão; ver os cliques que se podia/pode realizar por trabalho, elevarem-se de dezenas para milhares - desfavorecendo a autocrítica e a profissionalização mais consciente, e claro; me molestam as questões éticas se avolumando.
O que me fez pensar neste sentido, imagino, é a minha aliança com a fotografia que tem um encontro marcado com aquela noção complexa: o "real" - herdada de uma certa forma, da minha formação no Jornalismo... Então, toda e qualquer falsa elaboração ou simulacro preguiçoso ou canhestro, maltrata os olhos.
O conceito que, então, norteou meu trabalho prefere a ausência dos variados aparatos técnicos e opta pelo uso da técnica, da criatividade e da sensorialidade na captação, em uma ação menos invasiva, que, pela minha experiência, gera mais espontaneidade. É um comprometimento d@ fotógraf@ com o preparo, com a naturalidade, com a ação temporal no/do momento, para uma conexão mais verdadeira com as pessoas que vão ser fotografadas, desempenhando um papel enquanto profissional também na elaboração de uma ética que se traduza pela empatia.
A fotografia orgânica também não se utiliza de técnicas variadas de transformação abrupta do que foi captado. Nada de alterações expressivas no Photoshop, nem no Lightroom, nada de high dynamic range (HDR), ou seja, ela não se utiliza de uma massa variada de efeitos de edição fotográfica, mesmo porque a câmera já é um processador que vai se somar a minha percepção estética. É uma fotografia que quer se completar na captação da imagem, não na pós-produção. Para isso ela se traduz no aprendizado contínuo da observação da luz, na experiência sensorial e de captação, na realização sensível e técnica.
Então... Isso é a fotografia orgânica. :) ;)
PS: Também me utilizo da fotografia-expressão ou do documentário imaginário - profissionalmente antes mesmo de que eu soubesse o conceito. Para André Rouillé é uma fotografia que compreende uma expressão, englobando um acontecimento, sem no entanto, representá-lo e que pode ser chamada de fotografia-expressão (Rouillé, 2009:137) . Para Chuck Samuels este é o conceito de documentário imaginário. Neste tipo de captação @ profissional se deixa transfigurar por aspectos estéticos, fazendo desta documentação menos subordinada às convenções desta prática. Na fotografia-expressão, @ profissional subordina aquela realidade a sua vontade estética. Para tanto se utiliza de uma linguagem própria, de uma leitura individual que contrapõe técnicas artísticas e criativas à realidade manifesta do documental.
Lá embaixo, depois da galeria, uma lista de autores legais para pensar o tema:
Autor@s:
CARTIER-BRESSON, Henri. O momento Decisivo.
DURAND, Gilbert. O Imaginário: Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.
GOMBRICH, E.H. A história da arte.
GURAN, Milton. Linguagem Fotográfica e Informação.
LOMBARDI, Kátia Hallak. Documentário Imaginário: novas potencialidades na fotografia documental contemporânea.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário
PRICE, Derrick. Observadores e observados – a fotografia em todas as paradas.
SANTAELLA, Lucia e NÖTH, Winfried. Imagem.
SONTAG, Susan.Sobre fotografia.