Fui também professora de Publicidade e Propaganda durante 17 anos de minha vida. Sempre gostei de trabalhar com aspectos práticos e teóricos da criação e do desenvolvimento da ideia.
Dependendo da disciplina, eu sempre falava de forma crítica e analítica, dos princípios, simples mas tristemente eficazes, de alguns tipos de reflexão publicitária sobre público e conteúdo, a partir de um perfil (reconhecido e traduzido também em dados e pesquisas) d@ consumidora/consumidor em determinado contexto.
Um dos exemplos que eu brevemente traduzia - para demonstrar como a força de uma ideia - que parecia/parece muito positiva para alguns naquele momento e ainda hoje, se torna um apocalipse, um testamento da maldade do que pode o coração humano - era exemplificando a política de propaganda alemã do III Reich.
O manual de identidade nazista ( acima) possuía mais de 550 páginas.
O manual de identidade nazista ( acima) possuía mais de 550 páginas.
Existem gênios da maldade, você deve saber... E um deles se chamava Joseph Goebbels. O protagonista da nossa história, no entanto, é o artigo do professor Leonard Doob, publicado em 1950. Ele analisou e explicou como a propaganda nazista pode/pôde (sic) aliciar tanta gente, entre, inclusive, em um primeiro momento, os que mais seriam penalizados pelas políticas promovidas pelo regime propagandeado em questão, os judeus. Depois, com as derrotas se acumulando, como fazer o povo, agora abatido e miserável, continuar apoiando as ideias insanas de seu líder. Doob adverte exatamente também, sobre o perigo destas noções serem usadas em uma democracia.
Matéria sobre o Museus do Holocausto - habilite as legendas
No artigo, o professor explica o contexto da época, e como Goebbels apurou sua técnica de comprometimento de uma nação ao nazismo, principalmente, quando a Alemanha vivia os piores momentos.
Eu traduzi ideias e encolhi vários conceitos por conta da linguagem, mas se você quiser ler, o artigo está aqui.
Vamos lá:
1 Quem faz propaganda tem que ter acesso a muitos dados. Informação é poder.
2 O poder é centralizado em uma figura.
3 O inimigo deve ser um só. E um de cada vez. Que deve ser enfrentado até ser silenciado.
4 A autoridade contra o inimigo também tem um só nome, embora deva ser cercado pela devoção dos subordinados. 5 Criou-se um universo através da mídia que vendia a ideia de felicidade na qual a população vivia anteriormente, e como, após este inimigo chegar, como as sombras e a tragédia consumiram a alegria e a esperança da nação. O inimigo é contagiosos. Tudo o que toca, fenece.
6 O material produzido – inclusive o jornalístico - também estava serviço do nazismo, e não deveria ser completamente “falso”. Ele deveria ter algum traço de realidade, mesmo que fosse levemente baseado.
7 Produziam ações que mostrassem o apoio dos países vizinhos e neutros contra o inimigo.
8 Deixavam claro que tudo de ruim que acontecia na sociedade era por conta da influência daquele inimigo, que deve ser destruído.
9 Ao redor da Alemanha, cinemas, teatros, jornais foram comprados para veicular notícias positivas sobre o nazismo. 10 Sempre exageravam as notícias violentas e repetiam-nas exaustivamente, para que se nascesse a sensação de absoluta insegurança. Onde reina o medo e a incerteza, a sensação de que precisavam de "salvadores da pátria" era muito mais evidente.
11 Mentiras eram/são conteúdo, claro, e quanto mais difíceis de serem confrontadas com a verdade, melhor. Um boato repetido mil vezes, se torna realidade, e são/eram reiterados na imprensa.
12 Sempre deixar claro que todas as opiniões, produções, ações, razões do inimigo são ardilosas, mas burras, embora, ordinárias e maldosas.
Amém (2002), filme de Costa-Gravas sobre o envolvimento da igreja católica com o nazismo e a fuga de oficiais alemães no fim da guerra.
13 Goebbels controlava a mídia alemã desde 1933, mesmo assim, temia a mídia aliada e pesquisava sua atuação. Se alguém fosse pego fazendo propaganda contra o regime, era condenado a morte.
14 Bombardeavam qualquer ideia ou notícia que chegasse a população vinda do inimigo, e embora sempre fossem consideradas falsas, algumas, específicas, eram escolhidas para serem desmentidas. Alguns exemplos dados por Leonard: “que os alemães tivessem bombardeado o Vaticano”; "que Stálin estaria adotando uma política de leniência religiosa”, etc.
15 Sempre chamavam vários especialistas, em várias áreas distintas, mas todos falando contra o inimigo. Todas as opiniões eram negativas acerca do inimigo. A população passava, então, reconhecer apenas uma forma de interpretação.
O Triunfo da Vontade (1935), de Leni Riefenstahl.
16-Censurar materiais variados, ocultar informação que não fosse conveniente ao regime, destratar produção artística que não é apoiada, ilustrar arte como degenerada
17 Uso da "propaganda negra" ou "serviços de desinformação" - filtravam notícias falsas que eram retransmitidas para a população para mostrar como o inimigo é falso e esperto. Mesmo que o fato se esclarecesse mais tarde, a mentira e seus efeitos já haviam tomado uma grande proporção e era impossível desmenti-la de forma completa.
18 A propaganda é facilitada quando se tem lideres de prestígio .
19 A propaganda era pensada na linguagem correta, se utilizando de aspectos cognitivos e emocionais reconhecidos, com estratégia criativa cronometrada. Tudo para ser o mais efetiva possível.
20 A propaganda deve ser repetida, mas sem sobrecarregar a população.
Filme Before de Fall (2004) mostra uma "napola", o ambiente onde se preparava a elite de oficiais nazistas.
21 A propaganda deve usar frases de efeito. Exemplo: “Deutschland über alles” (Alemanha acima de tudo). *Em 1952, a "Canção dos Alemães" foi reconhecida como hino nacional na Alemanha Ocidental, exortando a unidade do país. No entanto, a frase foi retirada porque, depois do nazismo, foi e é considerada ofensiva, devido ao vínculo.
23 A propaganda deveria criar um estado de ansiedade positivo – onde imperasse a esperança e não a complacência.
24 – Propaganda deveria regular a frustração da população. Frustrações impossíveis de serem contornadas eram adiantadas e, para a população, era fixada uma perspectiva positiva sobre a situação.
25 Propaganda deslocava a frustração e a agressividade para os alvos pré-indicados. No caso alemão, bolcheviques, judeus, homossexuais, ciganos.
Documentário Parágrafo 175 sobre a perseguição a LGBTi+ na Alemanha nazista
26 A população não tinha tempo para pensar. Estava imersa em notícias sobre a grandiosidade da Alemanha e do regime e nos horrores cometidos pelo inimigo.
Bem, um pouco, então de como funcionava a campanha publicitária nazista. Consegue fazer comparações na contemporaneidade no mundo? No Brasil?
Sempre acreditei que era possível fazer propaganda com mais diversidade, respeito e inteligência emocional. Os alunos, e até alguns colegas, riam-se. Para quê conclamarmos um universo de gente a partilhar na vida, os monstros cabeludos que moram dentro delas? "Bobagem". Até que foram obrigados a se confrontar com outra realidade. Muito mais exigente em termos criativos, de conceito e de mercado porque a propaganda ou reitera ou revoluciona.
Sempre acreditei também, fazendo uma reflexão ética e moral, que quando a gente tem acesso a informação, quando a gente descobre algo, quando realiza, quando se vê diante de um fato, fica impossível de se fazer algumas escolhas ignorando o preço que se vai pagar por isso: seja ética, emocional e/ou socialmente. Isso sem mencionar como a decisão vai afetar as demais/os demais, as pessoas ao redor.
Por isso, não importa se muita gente desloca este conhecimento para um cantinho silencioso, empoeirado, aquele ponto cego do cérebro,...você já sabe. Você já sabe "o final da história".
Qual, então, vai ser o seu papel na história de sua vida? Na vida do país? Na vida da vizinha? Do vizinho? Da amiga? Da desconhecida? Qual o comprometimento da sua história com o humanismo dos filósofos que diz seguir? Quando estiver nua/nu, na presença objetiva da sua consciência...vai se orgulhar das opções que fez? Quando você se for, quem ficar neste sopro de tempo que é a vida e que te conheceu, vai dizer o que de você? De nós, como grupo? O que vamos deixar, naquele breve espaço em que alguma geração lembrará da gente? Porque o tempo é objetivo e certo. Ele passa e a História guarda a chave do futuro, porque nela, tudo já aconteceu.
Quem tem oportunidade de ver, ouvir, conhecer, também tem a chance (e a obrigação) de ser alguém melhor, mais maduro, humanista e menos alienável.
Ou, de finalmente assumir, (que precisa repensar) a própria desumanidade. Reconhecer é o primeiro passo, sim, mas está longe de bastar. É preciso, de qualquer jeito, se comprometer.
Filme O Grande Ditador (1941). Cena do discurso. Produzido antes dos EUA entrarem na guerra.
Artigo: Goebbels' Principles of Propaganda, Leonard W. Doob, Public Opinion Quarterly, Fall 1950 pp. 419-442