Mesmo antes de minha formação em Artes Visuais e de começar a estudar Pedagogia, tive contato com teorias de aprendizagem e "métodos"* de alfabetização. Foi no construtivismo, que busquei referências para aplicar às aulas que eu ministrava - não falo somente do universo artístico ;) mas do universo da aprendizagem.
Poster de Rodchecko, do construtivismo russo - escola artística soviética.
Na verdade, eu amo esse movimento artístico que começou em meados de 1913 e que influenciou a arte ocidental, como (eterna) aprendiz que sou no campo da arte, da fotografia, do design e da arquitetura. Me apaixonei no momento quetive acesso a produção de Aleksandr Rodchencko . Além disso, inúmeras mulheres participavam de várias nuances do construtivismo e isso me deixou empolgada. São várias as artistas importantes para o movimento: a pintora Liubov Popova; a poeta, designer de moda e gráfica Varvara Stepanova; a pintora e designer Aleksandra Ekster; a cineasta Elizaveta Svilova, entre outras.
Obras de Popova, Stepanova e Ekster acima.
MAS NA MINHA FORMAÇÃO EM ARTES VISUAIS E EM PEDAGOGIA, O RECORTE É OUTRO... ENTÃO, O QUE É CONSTRUTIVISMO NA EDUCAÇÃO?
Essa constituição de educação me parecia muito mais justa e eloquente. Por exemplo, como professora, mesmo que eu fosse obrigada a realizar uma avaliação na "Semana de Provas" das instituições em que trabalhei -e que sempre achei contraproducente - também usava aquele momento, como mais um "lugar de aprendizado".
Por isso, realizava muitas provas em dupla ou trio. Para que conversassem e trocassem informações. Além disso, nas avaliações, usava vídeos do Youtube, cenas de filmes, material de publicidade, memes, gifs como parte da avaliação e promovia o debate. Um exercício de produção de telejornalismo, por exemplo, era produzir uma matéria, somente usando o celular - para gravar, fazer passagem, editar, etc. - simulando um evento apocalíptico na universidade.
Os trabalho nas disciplinas de Publicidade e Propaganda também buscavam tirar o/a estudante do seu conforto, provocando-as/os; fazendo-as/os se confrontarem com outras realidades, novos problemas, outras perguntas. Costumava pedir para produzirem, como trabalho final, em grupo, uma peça publicitária para uma determinada campanha: seja para uma propaganda de comprimido contra a flatulência; na promoção a prevenção do HIV e DSTs para maiores de 60 anos; de uma academia que tem um projeto especial para feminização/masculinização do corpo trans, etc. Que mulher aguenta as propagandas de absorventes femininos, por exemplo? Então, pedia uma peça que fugisse do estereótipo e sempre mostrava vários exemplos - como a da Bodyform - Red.fit abaixo:
https://flarebbdo.com/work/bodyform/red-fit/
Os resultados sempre foram melhores que qualquer avaliação escrita.
É Kenneth Gergen que nos lembra que CONSTRUTIVISMO - em qualquer época - indica um processo que ainda é presente, uma troca intelectual, com a concepção de ideias, reflexões e análises que são realizadas por um individuo - que é dinâmico e que se constrói.
No caso da Educação, é bom lembrar, no entanto que, Jean Piaget era um biólogo suíço interessado no processo de aquisição de conhecimento da criança e produziu sua teoria científica para os campos das ciências da saúde. Foi mais tarde que ela foi apropriada por educadores e educadoras e difundida por todo o mundo.
Mas quais os pontos importantes trazidos de Jean Piaget para a alfabetização?
A/o professora / o professor não transmite apenas o que sabe; ela/ele tem o papel de mediar, de orienta o processo de aprendizagem;
O conhecimento é um produto maleável que nasce a partir da apropriação dos estudantes;
O estudante é o centro do processo de aprendizagem;
Ensinar é um trabalho/aprendizado dinâmico;
Ao pensar a aprendizagem é preciso considerar que os progressos de cada estudante - assim, seu amadurecimento, sua participação, seu desenvolvimento devem ser sempre considerados;
Os conhecimentos, as experiência cotidianas, sua cultura, o repertório das alunas e dos alunos são importantes para o aprendizado;
A professora/o professor sugere determinado problema ou situação e media a busca por um resultado, uma solução, o que resulta na construção do conhecimento.
A avaliação leva em consideração o conhecimento que vem sendo construído em sala de aula - e fora.
"Segundo Piaget, há quatro estágios básicos do desenvolvimento cognitivo:
Estágio Sensório-motor. Vai até os 2 anos: Nessa fase, as crianças adquirem a capacidade de administrar seus reflexos básicos para que gerem ações prazerosas ou vantajosas. É um período anterior à linguagem, no qual o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos objetos a sua volta.
Estágio pré-operacional. Vai dos 2 aos 7 anos: Se caracteriza pelo surgimento da capacidade de dominar a linguagem e a representação do mundo por meio de símbolos. A criança continua egocêntrica e ainda não é capaz, moralmente, de se colocar no lugar de outra pessoa.
Estágio das operações concretas. Dos 7 aos 11 ou 12 anos: tem como marca a aquisição da noção de reversibilidade das ações. Surge a lógica nos processos mentais e a habilidade de discriminar os objetos por similaridades e diferenças. A criança já pode dominar conceitos de tempo e número.
Estágio das operações Formais ou abstratas. Começa a surgir por volta dos 12 anos: A fase marca a entrada na idade adulta, em termos cognitivos. O adolescente passa a ter o domínio do pensamento lógico e dedutivo, o que o habilita à experimentação mental. Isso implica, entre outras coisas, relacionar conceitos abstratos e raciocinar sobre hipóteses" (FERRARI, 2021).
Vygostsky, o psicólogo pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectual das crianças se dá em razão das interações sociais e do contexto da vida que levam, também é popular com o sócio-construtivismo. A diferença entre ele e Piaget se concentra, segundo pesquisadores, porque o soviético não acreditava em estágios de desenvolvimento cognitivo infantil tão estanque quanto Piaget. No entanto, partilham a ideia de que a aprendizagem ocorre na interação entre as pessoas e que o aprendizado por observação, repetição, imitação, exemplificação, em sala de aula, ficam em segundo lugar.
As descobertas de Piaget aliadas a da psicolinguista argentina Emília Ferreiro concluem, de forma generalizada, que crianças tem um papel importante no aprendizado, pois elas edificam esse conhecimento - daí chamarmos de construtivismo.
Foram duas mulheres que mudaram o curso da história da alfabetização no país: Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
Em Psicogênese da Língua Escrita as autoras analisam e criticam os métodos até então utilizados na alfabetização. Para elas, a verdadeira escrita (...) seria aquela que proporciona à criança refletir sobre as regras do sistema de escrita (Picolli; Camini, 2013).
Em meio a abertura após o regime militar no Brasil, diversas práticas construtivistas pipocaram nas salas de aulas por influência do livro, de artigos e seminários, e começou a ser aplicada metodologicamente em duas escolas em São Paulo. Emília Ferreiro veio ao Brasil várias vezes, convidada para palestras e seminários.
Novamente é importante dizer que: ambas não apresentaram nenhum método pedagógico, mas mostraram quais os processos de aprendizado das crianças e elas mesmas, esclarecem isso.
Como reflexões pedagógicas deste processo de construção, coloca Verônica Branco (1989):
"- A criança descobre a função da escrita e da leitura contando com seus elementos internos e também com as oportunidades de interagir com o seu meio ambiente.
- O trabalho escolar só pode ser iniciado a partir do diagnóstico da fase evolutiva em que cada criança se encontra para a partir daí planejar suas intervenções.
- O trabalho em grupo entre crianças é fundamental para provocar desafios que levem ao avanço do conhecimento, bem como, para orientar a intervenção do professor.
- Não é suficiente conhecer as fases evolutivas da construção do conhecimento da escrita; é necessário, também, conhecer as hipóteses que sustentam a produção de cada fase para proporcionar atividades que satisfaçam as necessidades de cada uma delas.
- A avaliação da aprendizagem necessita ser revista sob outros critérios, pois as tradicionais formas são insuficientes para dar conta deste processo tão complexo.
- A aprendizagem da leitura e da escrita assume um caráter de educação permanente, vez que, se inicia, para a maioria da crianças, fora da escola, com materiais não convencionais de ensino, na dependência das oportunidades existentes no seu meio ambiente e contando com pessoas não diretamente envolvidas na tarefa de ensinar, sem contudo cair em um autodidatismo, pois o professor desempenha um papel importante neste processo".
Talvez eu goste do construtivismo porque nele não há nada está pronto e acabado. O conhecimento não é uma corrida de revezamento em que você passa o bastão e pronto - o conhecimento foi passado.
Nele a/o estudante tem um papel importante na tarefa de aprender e a professora ou o professor é aquele que oferece o estímulo, media o desenvolvimento do estudante.
AQUI VOCÊ PODE BAIXAR O EBOOK DA COLEÇÃO OS EDUCADORES, DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SOBRE JEAN PIAGET ;)
REFERÊNCIAS
FERRARI, Márcio. https://novaescola.org.br/autor/77/marcio-ferrari
FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. Trad. Maria Antonia Cruz Costa Magalhães, Marisa do Nascimento Paro, Sara Cunha Lima. São Paulo, Cortez, 1986.
PICOLLI, Luciana e CAMINI, Patrícia. Práticas Pedagógicas em Alfabetização: espaço, tempo e corporeidade. Edelbra, 2013.
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